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Heteroidentificação racial em concursos públicos

Como recorrer de decisões ilegais da banca da comissão de heteroidentificação.



pessoa negra estudando para concurso


INTRODUÇÃO


A previsão de cotas étnico-raciais em concursos públicos é um instrumento essencial para combater o racismo estrutural ainda presente na sociedade brasileira, garantindo a populações historicamente marginalizadas condições de conquistar maior representatividade no serviço público.  E, como forma de garantir que a população contemplada com a política de cotas seja, de fato, aquela que motivou a sua instituição (pessoas negras), é necessário implementar mecanismos que inibam o cometimento de fraudes.

 

Contudo, é preciso ter cuidado para não se permitir o cometimento de arbitrariedades sob a justificativa de evitar o cometimento de fraudes. A heteroidentificação, embora seja um procedimento fundamental na implementação da política afirmativa de cotas, muitas vezes, dá ensejo ao cometimento de graves ilegalidades, afastando, com base em critérios arbitrários (ou mesmo sem critérios), candidatos que se enquadram pessoas negras.

 

Nesse artigo, veremos quais os requisitos a serem observados na heteroidentificação e como proceder em caso de ilegalidades cometidas pelas bancas de concurso.



É OBRIGATÓRIA A RESERVA DE VAGAS PARA PESSOAS NEGRAS EM CONCURSOS PÚBLICOS?


Na União, no Distrito Federal e em alguns Estados e Municípios, a reserva de vagas é imposta pela legislação, em percentuais pré-definidos. Em concursos realizados por órgãos desses entes, portanto, o edital deverá observar o percentual e as demais regras eventualmente previstas na lei e, caso não o faça, poderá ser impugnado judicial e/ou administrativamente.

 

Nos entes nos quais a legislação não preveja a reserva de vagas para pessoas negras, a previsão de cotas é uma faculdade do órgão público que irá realizar o certame, devendo-se observar a escolha feita no edital.


Em ambos os casos, deverão ser observadas as diretrizes decorrentes na lei e interpretadas pelos tribunais superiores, sobre as quais trataremos adiante. Ou seja: mesmo que o órgão público organizador do certame não esteja obrigado a prever cotas raciais, se o fizer, deverá observar as regras tratadas nesse artigo.



QUEM PODE SER CONSIDERADO COMO “PESSOA NEGRA”?

A Lei nº 12.288/2010 (Estatuto da Igualdade Racial) conceitua como população negra o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pelo IBGE, ou que adotam autodefinição análoga. Em sentido análogo, a 12.990/2014, ao determinar a reserva de vagas para pessoas negras em concursos federais, determinou que poderiam concorrer às vagas reservadas os candidatos que se autodeclarassem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso, conforme quesito cor ou raça utilizado pelo IBGE.

Veja-se, portanto, que a autodeclaração foi eleita pelo legislador como a regra para definição da cor ou raça do cidadão brasileiro.

Ocorre que, como forma de combater o cometimento de fraudes em concursos públicos, no julgamento da ADC nº 41, o Supremo Tribunal Federal, além de declarar a constitucionalidade da obrigação de reserva de vagas em concursos federais, declarou ser também constitucional a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação – como a exigência de autodeclaração presencial perante a comissão do concurso, a exigência de fotos e a formação de comissões, com composição plural, para entrevista dos candidatos em momento posterior à autodeclaração, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa. 



QUAIS AS REGRAS A SEREM OBSERVADAS NA HETEROIDENTIFICAÇÃO?

 

Primeiramente, deve-se salientar que os tribunais superiores (STF e STJ) possuem entendimento consolidado no sentido de que o edital é a lei do concurso, devendo as regras ali estabelecidas serem integralmente observadas pela Administração e pelos candidatos (Princípio da Vinculação ao Edital). Não obstante, por vezes, pode se constatar que as regras contidas no edital contrariam a lei ou a jurisprudência, sendo possível impugnar essas regras na via administrativa e/ou judicial.

 

Na ADC nº 41, o STF deu alguns contornos a serem observados na heteroidentificação, como forma de resguardar a dignidade da pessoa humana e as garantias do contraditório e da ampla defesa. Na ocasião, o Ministro Relator Roberto Barroso fez referência ao julgamento da  ADPF nº 186, na qual foram fixados os seguintes requisitos a serem atendidos nas heteroidentificações por comissões ou comitês da banca organizadora do certame: (i) a classificação pela comissão deve ser posterior à autoidentificação; (ii) o julgamento deve ser feito por fenótipo, e não por ascendência; (iii) a comissão deve classificar os candidatos como pardo-pardo, pardo-preto ou preto-preto; e (iv) a comissão deve ser composta considerando a diversidade de raça, classe econômica, orientação sexual e de gênero e com mandatos curtos.

 

Passamos agora a analisar as principais regras a serem observadas na heteroidentificação.


A HETEROIDENTIFICAÇÃO DEVE SER POSTERIOR À AUTOIDENTIFICAÇÃO

 

Como salientado acima, o Estatuto da Igualdade Racial elegeu o critério da autodeclaração como regra para caracterizar uma pessoa como negra, tendo o Supremo Tribunal Federal chancelado a instituição da heteroidentificação como critério subsidiário. Sendo assim, a heteroidentificação complementar deve se dar sempre após a autoidentificação, e, havendo dúvida na avaliação pela comissão, deve prevalecer a autodeclaração feita pelo candidato.


O JULGAMENTO PELA COMISSÃO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO DEVE SER FEITO COM BASE NO FENÓTIPO

 

Como a política de cotas visa ao combate ao racismo estrutural, a heteroidentificação deve adotar como critério para enquadramento como pessoa negra as características fenotípicas do candidato (aparência física). Aliás, uma pessoa não sofre ou deixa de sofrer racismo em razão de sua estrutura genética, mas sim por possuir características físicas próprias da raça estigmatizada.

 

Sendo assim, não importa se os genitores do candidato podem ou não ser considerados negros (ancestralidade), devendo-se aferir se esse apresenta características físicas próprias de pessoas pretas ou pardas.


NECESSIDADE DE PREVISÃO NO EDITAL DOS CRITÉRIOS DE HETEROIDENTIFICAÇÃO

 

Como ressaltado pelo STJ no RMS nº 59.369/MA, é ilegal o ato de não enquadramento do candidato nas vagas reservadas aos candidatos negros, quando o edital não estabeleceu, de antemão e objetivamente, os critérios de heteroidentificação (ex. características fenotípicas) que viriam a servir de parâmetro para a comissão avaliadora. Ou seja, além de a avaliação da autodeclaração dever ser feita com base nos critérios fenotípicos, o Edital precisa prever expressamente que esse será o critério utilizado.


QUAL O FENÓTIPO DAS PESSOAS NEGRAS?

           

Como já salientado, o fenótipo corresponde às características físicas externas dos indivíduos, comuns a determinada cor ou raça. O fenótipo é analisado, predominantemente, a partir da cor da pele, da textura do cabelo, do nariz e da boca dos candidatos, critérios cuja adoção já foi admitida pelo Superior Tribunal de Justiça em mais de uma ocasião (vide REsp nº 2.077.793/PE e REsp nº 2.082.677/PE).

 

São características físicas tipicamente associadas a pessoas negras: a tonalidade escura da pele, o cabelo crespo ou encaracolado, a base do nariz alargada e os lábios grossos. Esses são os critérios que costumam ser analisados pelas bancas de heteroidentificação.

 

Justamente por serem oriundas da miscigenação de raças, as discussões geralmente se referem ao enquadramento de candidatos como pessoas pardas.


DEVER DE MOTIVAÇÃO PELA COMISSÃO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO

 

O STF já decidiu que a inexistência de motivação nas decisões que indeferem recursos apresentados em face da reprovação na etapa de heteroidentificação afrontam o comando da ADC nº 41, por violarem o contraditório e a ampla defesa (SS nº 5.347/PI).

 

O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, possui diversas decisões nas quais destaca a necessidade de motivação das decisões denegatórias das comissões de heteroidentificação. Conforme destacado no AgInt no REsp n. 1.997.905/RS, a motivação deve ser explícita, clara e congruente, explicitando quais características fenotípicas foram consideradas para declarar que o candidato é ou não negro.

 

É importante observar que os tribunais pátrios rechaçam a utilização de fundamentos genéricos que poderia servir para qualquer decisão. Vejamos:

 

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. COTAS RACIAIS. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 489, § 1º, IV E 1.022, PARÁGRAFO ÚNICO, II, DO CPC/2015. NÃO OCORRÊNCIA. FUNDAMENTO AUTÔNOMO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA 283/STF.

RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, NÃO PROVIDO.

DECISÃO

 Trata-se de recurso especial interposto com fundamento no artigo 105, III, "a", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo TRF da 5ª Região, assim ementado (fls. 477-478):

EMENTA: ADMINISTRATIVO. PROCESSO SELETIVO. COTAS RACIAIS. EXCLUSÃO DO AUTOR DA CONDIÇÃO DE COTISTA. AUTODECLARAÇÃO FEITA PELO CANDIDATO. EXAME DE VERIFICAÇÃO DO FENÓTIPO PELA COMISSÃO EXAMINADORA. VÍCIO DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. NULIDADE.

[...]

6. No presente caso, observa-se que a autodeclaração do candidato foi, inicialmente, recusada pela Banca de Heteroidentficação por meio de parecer da COMISSÃO DE VERIFICAÇÃO E VALIDAÇÃO DE AUTODECLARAÇÃO (CVVA), no qual foi pontuado que "as análises foram consideradas procedentes pela maioria dos votos dos membros e membras da Comissão de Verificação e Validação de Autodeclaração (CVVA), visto que os fenótipos de alguns dos convocados não os caracterizam como indivíduos potencialmente preteridos pela sua condição fenotípica negra (preta e parda) em face ao que se aplica à legislação". Em seguida, consta a lista dos candidatos convocados que compareceram promulgada em cumprimento às Ações Afirmativas para as suas respectivas verificações e validações de suas autodeclarações, com o respectivo resultado (um deferido e três indeferidos).

7. Em sede recursal, foi emitido parecer pela COMISSÃO RECURSAL DE VERIFICAÇÃO E VALIDAÇÃO (CRVV), ressaltando-se que " Condizente a Resolução 46, de 27 de dezembro de 2019 da Unilab, as verificações realizadas presencialmente pelas respectivas Comissões fundamentam-se em características fenotípicas: cor da pele, tipo de cabelo, formato ". Em seguida, foram do nariz e lábios. Características que, em conjunto, atribuem a pessoa a aparência racial negra.

relacionados os três discentes convocados, com os resultados verificados (todos indeferidos).

8. Percebe-se, assim, que a eliminação do candidato do certame foi desprovida do necessário fundamento, pois embasada apenas em afirmação genérica, que poderia ser perfeitamente aplicável a qualquer pessoa, não estando a atuação da Administração, portanto, em consonância com a interpretação que melhor atende ao princípio da motivação dos atos administrativos. Como bem ressaltado na sentença, "A ausência de devida motivação é tão verdadeira que os fundamentos da rejeição serviram para todos os postulantes às vagas destinadas às cotas, não havendo qualquer tipo de individualização". E continua destacando que "Mais grave ainda é a decisão administrativa proferida pela Comissão Recursal de Verificação e Validação - CRVV, que se limitou a indeferir o recurso do autor, sem, porém, motivar o ato administrativo".

9. Com efeito, a banca examinadora toma como base as características fenotípicas dos negros/pardos, referentes aos tons de pele, a textura do cabelo, os lábios, entre outros elementos visuais, que devem ser expressamente declarados pela comissão examinadora, caso haja recusa na autodeclaração do candidato.

10. Esta Corte já decidiu no sentido que é nula, por ausência de motivação, a decisão da banca que, por sua generalidade, se prestaria a embasar qualquer outra decisão. (PROCESSO: 08100892720174058100, AC - Apelação Civel - , DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS DE MENDONÇA CANUTO, 4ª Turma, JULGAMENTO: 25/06/2018).

11. Ademais, registre-se, por oportuno, que é absolutamente claro que o princípio da vinculação ao edital e a autonomia universitária não se constituem em obstáculos ao exame pelo Judiciário de eventuais irregulares nos atos administrativos, como restou caracterizado, diante da sua absoluta generalidade, caracterizando vício de falta de fundamentação. in casu 12. Além disso, afasta-se o argumento de que o acolhimento do pleito autoral importaria em violação aos princípios da isonomia ou da separação dos poderes, pois, além de não haver impedimento para que outros cidadãos, diante de igual situação, busquem a via jurisdicional na defesa de seus direitos, apenas se está analisando a legalidade do ato administrativo, sem aferir se o Particular possui fenótipo apto a incluí-lo entre os beneficiários da política afirmativa.

[...]

(REsp n. 2.066.300, Ministro Benedito Gonçalves, DJe de 09/05/2023.)

 

            Portanto, não se considera suficientemente fundamentada, por exemplo, a decisão da banca de concursos que justifica o não enquadramento do candidato em face da “ausência de características fenotípicas das pessoas negras, como cor da pele, textura do cabelo, e formato do nariz e da boca”. A comissão de heteroidentificação precisa esclarecer (i) quais são os traços físicos típicos de pessoas negras e (ii) quais desses o candidato possui ou não.  


NA DÚVIDA, DEVE PREVALECER A AUTODECLARAÇÃO

 

Esse, talvez, seja um dos pontos mais negligenciados pelas comissões de heteroidentificação.

 

Como já salientado, a autodeclaração foi eleita pelo IBGE e pelo legislador como a forma promordial de definição da cor ou raça do cidadão brasileiro. O STF, por sua vez, admitiu a instituição da heteroidentificação em concursos públicos como um elemento subsidiário.

 

No julgamento da ADC nº 41, reconhecendo a dificuldade de instituir um critério objetivo para identificação de casos de declaração falsa, dada a grande miscigenação racial do país, o STF destacou que, quando houver dúvida razoável sobre o fenótipo, deve prevalecer a autodeclaração da identidade racial.


DA NECESSIDADE DE PREVISÃO DE RECURSO NO EDITAL

 

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que a ausência de previsão, em edital de concurso, de recurso administrativo para questionar a decisão da comissão de heteroidentificação violava a decisão proferida na ADC nº 41, uma vez que atenta contra as garantias do contraditório e da ampla defesa (Rcl 62861 MC-Ref). Logo, é preciso garantir ao candidato, no mínimo, uma oportunidade de recorrer da decisão da comissão de heteroidentificação, sob a pena de anulação desta última.

 

DA POSSIBILIDADE DE REAGENDAMENTO DA ENTREVISTA PESSOAL EM RAZÃO DE EMERGÊNCIA MÉDICA

 

Por ocasião do AgInt no RMS 70413 / MS, o Superior Tribunal de Justiça, considerando a inexistência de disputas entre candidatos, decidiu ser possível a designação de nova data para a entrevista pessoal de heteroidentificação, em caso de cirurgia médica de urgência. Portanto, se você foi reprovado na heteroidentificação por não ter comparecido em razão de emergência médica, é possível pleitear a desginação de nova data para realização do procedimento.


 

FUI REPROVADO NA HETEROIDENTIFICAÇÃO: E AGORA?

 

O primeiro passo é conferir se as regras do edital observaram as diretrizes estabelecidas pela jurisprudência e mencionadas nesse artigo. Em seguida, é preciso conferir se a banca organizadora do concurso seguiu corretamente as regras do edital. Um advogado especializado em concursos públicos poderá lhe ajudar nessa análise.

 

Constatando-se que a comissão de heteroidentificação não agiu conforme as regras referidas nesse artigo, você poderá pleitear a anulação da decisão da banca de concurso, administrativa e/ou judicialmente.

 

Na seara a administrativa, o pedido é direcionado ao órgão para o qual o concurso é prestado. Contudo, como são os próprios órgãos que elaboram o edital e as bancas organizadoras agem “em seu nome”, é comum que aqueles concordem com a posição adotada pela banca.

 

A solução que costuma ser mais efetiva, portanto, é o ajuizamento de ação judicial.

 

QUAL AÇÃO JUDICIAL DEVE SER AJUIZADA?

 

Em resumo, há duas espécies de ação que podem ser ajuizadas no caso: ação ordinária ou mandado de segurança.

 

O mandado de segurança, embora seja uma ação que costuma tramitar de forma mais célere, depende de prova pré-constituída. Portanto, o candidato precisa ter em mãos todas as provas necessárias para respaldar seu pedido, não sendo possível produzir provas durante o processo.


Ocorre que, como na maioria dos casos o enquadramento do candidato na cota racial depende da realização de nova heteroidentificação – seja por um perito nomeado pelo juiz ou por nova avaliação pela comissão do concurso – o mandado de segurança pode não ser a melhor opção. Nesse sentido, no AgInt no RMS nº 61579/RS e no AgInt no RMS nº 61406/RS, o STJ decidiu que a análise da irresignação acerca do enquadramento nos requisitos para participação no certame como negro e dos critérios utilizados pela comissão na fundamentação do ato que excluiu o candidato do concurso dependem de dilação probatória, o que somente é possível nas ações ordinárias.

 

Portanto, um advogado deverá analisar se o seu pedido depende da produção de novas provas durante o processo, indicando o melhor caminho a ser seguido.

 

O QUE ALEGAR NA AÇÃO CONTRA DECISÃO DA COMISSÃO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO?

 

A definição das alegações, das provas a serem produzidas e dos pedidos a serem formulados, evidentemente, dependerá da análise do caso concreto. Contudo, na maior parte das vezes, as ações se fundamentam na arbitrariedade da comissão de heteroidentificação em (I) não esclarecer, adequadamente, os critérios utilizados para não considerar o candidato como preto ou pardo, ou (II) na ausência de previsão de recurso administrativo. Nesses casos, deve-se pleitear a anulação da decisão da banca organizadora.

 

Tratando-se de anulação da decisão da heteroidentificação, observa-se a existência de diversos julgados nos quais o STJ entendeu que não caberia ao Poder Judiciário proceder com a heteroidentificação do candidato, substituindo a comissão da banca organizadora (vide Ag. no REsp Nº 2.022.325 – RN). Esse argumento costuma ser fundamentado no entendimento consolidado do Tribunal de que o Poder Judiciário não pode substituir a banca examinadora do certame e tampouco se imiscuir nos critérios de atribuição de notas e de correção de provas.

 

Não há, contudo, como não atentar para o viés da confirmação: as pessoas tendem a utilizar as informações para validar as crenças que já têm sobre determinado assunto, desprezando as informações contrárias a essas. Ou seja: é pouquíssimo provável que a comissão de heteroidentificação que tenha concluído pela reprovação do candidato, ainda que obrigada pelo Judiciário a ponderar os fenótipos de pessoas negras, mude sua conclusão.

 

O primeiro objetivo, portanto, deve ser tentar convencer o Magistrado de que o candidato se enquadra como preto ou pardo. Para isso, como o STF definiu que o critério da heteroidentificação deve ser o fenótipo, o candidato deve providenciar a juntada de fotografias nas quais suas características físicas fiquem evidentes. Fotografias dos genitores, embora não sirvam à comprovação direta do fenótipo, podem ser anexadas de forma auxiliar.  

 

Deve ser destacado na ação judicial que, na ADC nº 41/DF, o STF permitiu a utilização da avaliação por comissão do concurso como critério subsidiário da heteroidentificação, tendo o Relator do voto vencedor consignado que, quando houver dúvida razoável sobre o seu fenótipo, deve prevalecer o critério da autodeclaração da identidade racial. Logo, as provas anexadas quando do ajuizamento da ação judicial devem comprovar que, no mínimo, há dúvida quanto ao enquadramento.

 

A identificação do candidato como pessoa negra em documentos públicos anteriores ao concurso serve de indicativo de que não houve tentativa de fraude ao certame – problema que a heteroidentificação visa a combater. São exemplos desses documentos: certidão de nascimento, cadastros de identificação civil (RG e CPF), cadastro de alistamento militar, entre outros.

 

Ainda que alguns editais prevejam a sua inadmissibilidade, a eventual aprovação em entrevista de heteroidentificação realizada em outros concursos deve ser anexada como forma de comprovar que, no mínimo, há dúvida razoável no enquadramento do candidato, hipótese na qual o STF determina a prevalência da autodeclaração.

 

Ao final, deve-se pleitear que o juiz declare a condição de pessoa negra do candidato e, caso não esteja convencido, nomeie um perito judicial com expertise na área para fazer a heteroidentificação. De forma subsidiária, recomenda-se pleitear que, caso se entenda pela realização de nova entrevista de heteroidentificação, seja formada nova comissão sem a participação dos membros integrantes da comissão anterior, não podendo a nova comissão ser informada que estará revisando, por decisão judicial, o trabalho da comissão anterior, e que, ademais, deverá especificar, concretamente, a(s) característica(s) fenotípica(s) que motivam o (não) enquadramento do demandante como cotista (REsp nº 2.066.300/PE).


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